ENTIDADES FILANTRÓPICAS NÃO GOZAM DE IMUNIDADE RELATIVA AO ICMS NAS SUAS AQUISICÕES
O plenário do STF concluiu, em 23/02 passado, o julgamento do RE 608872, com repercussão geral reconhecida, em que se discutia se entidades filantrópicas gozariam de imunidade tributária relativa ao ICMS (um hospital, no caso específico).
Prevaleceu, à unanimidade, o voto do Ministro relator Dias Toffoli acolhendo recurso interposto pelo Estado de Minas Gerais em face de decisão proferida pelo TJ-MG, tendo sido fixada a seguinte tese, a ser seguida no julgamento de casos análogos: “a imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido”.
ENTENDA O CASO:
Entidades beneficentes de assistência social sem fins lucrativos gozam de imunidade tributária, ou seja, estão, em regra, livres do pagamento de impostos. Tudo por força de um dispositivo da constituição da República de 1988, o art. 150, VI, c, que assim dispõe: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços (…) das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
Atentas à redação deste artigo, diversas entidades beneficentes de assistência social passaram a postular a imunidade relativa ao ICMS, tributo de competência estadual cujo valor encontra-se embutido em diversas mercadorias e serviços adquiridos por estas entidades.
O Supremo Tribunal Federal, contudo, não albergou a tese dos contribuintes e se filiou à tese dos Fiscos Estaduais, segundo os quais a imunidade tributária prevista constitucionalmente somente se aplicaria ao contribuinte de direito e não ao contribuinte de fato.
CONTRIBUINTE DE FATO x CONTRIBUINTE DE DIREITO:
O ICMS é tributo indireto, ou seja, quem recolhe o valor correspondente à exação ao Erário Público é o responsável tributário (comerciante, produtor, importador, etc), mas quem de fato o paga é o comprador final da mercadoria, na medida em que o responsável pelo recolhimento embute o montante do imposto no valor do bem.
Nesses casos, diz-se que aquele que recolhe o imposto é o contribuinte de direito e aquele que de fato desembolsa o valor é o contribuinte de fato.
No caso em análise, a Suprema Corte realizou uma interpretação restritiva da imunidade constitucional, é dizer, para o STF as entidades beneficentes de assistência social somente gozam de imunidade tributária quando ocupam a posição de contribuintes de direito e não quando ostentam a condição de contribuintes de fato.
Portanto, quando o desembolso para o pagamento do tributo advém de uma repercussão econômica no preço final do produto/serviço e não de uma responsabilidade direta da entidade permanece hígido o dever do contribuinte em recolher o valor do imposto.
HISTÓRICO:
Prevaleceu no âmbito do STF o entendimento sufragado na súmula 591 de sua jurisprudência dominante, de dezembro de 1976, cujo texto, embora diga respeito ao IPI, aplica-se, em plenitude, ao ICMS, dispondo: “a imunidade ou isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados”.
Esta redação encontra-se em consonância com a atual posição da Corte, embora, no passado, prevalecesse posição alinhada à tese dos contribuintes, como lembra Eduardo Sabbag:
“Sob a égide da Carta Magna de 1946, entendeu o STF, durante muitos anos, que deveria prevalecer a teoria da repercussão, em sua dimensão econômica, prestigiando-se a interpretação de cunho substancial. Assim, se o ente público figurasse na condição de contribuinte de fato, como adquirente de mercadoria de terceiros, não haveria tributo a ser pago (…). Em consequência desse pensamento, que desfrutou de prestígio à época, o ministro Aliomar Baleeiro, no RE 68.450, concluiu que o ente público poderia se opor ao pagamento do imposto quando figurasse como contribuinte de fato. Para o eminente tributarista, importava saber quem iria ter o patrimônio mutilado pelo imposto”.
A partir do RE 68741, datado de 1970 e de relatoria do ministro Bilac Pinto, o STF alterou sua posição quanto ao tema e passou a entender que a relação jurídico-tributária se estabelecia entre o contribuinte de direito e o ente tributante, não havendo que se falar em prolongamento da imunidade tributária em favor de entidade imune quando esta ocupasse a condição de contribuinte de fato.
A partir do RE 608872, a Suprema Corte reafirma seu entendimento quanto ao tema, não obstante, a nosso sentir, a posição mereça críticas.
— 21 de setembro de 2016